terça-feira, 4 de maio de 2010

2º Ano - O Racismo a Brasileira


Este texto é um pouco maior a o que vocês estão escrevendo em sala, com o mesmo tipo de conteúdo, porém, mais completo.

Ele servirá para todos os 2ºs anos do Alfredo Cardoso, Joao Guidotti e Mello Ayres.

O Racismo à Brasileira.

Muitos pensadores “científico” ou não ajudaram a criar uma fábula que erroneamente interpreta os motivos do “atraso econômico-social” brasileiro. Algumas terias até hoje exaltadas dizem que nosso “atraso“ se dá pela nossa indigência cultural e nossa necessidade de autoritarismo político, pois sem este, nossa organização só poderia virar desordem.
Estas idéias nos remetem àquela teoria que diz que os índios são preguiçosos, os negros melancólicos e o branco português possui cupidez e estupidez. Estes três grupos culturais são tidos como formadores do Brasil.
A construção do Brasil é visto por muitos como uma “história das ‘raças’ e não de homens”. O que isto implica? Bom, tende-se a reduzir o conhecimento social, cultural, às “raças”, ou seja, a fatores biológicos que seriam os determinantes do plano cultural.
O antropólogo não estuda só as “raças”, mas também, por ser um cientista social, estuda as relações entre as “raças” (culturas).
A Construção do racismo à brasileira se deu de forma diferente ao do norte-americano e europeu. Lá, você é negro, ou índio, ou não é. Não tem como você ser meio termo, meio branco, meio negro, moreninho, etc. Lá “o sistema não admite gradações que possam pôr em risco aqueles que têm o pleno direito à igualdade.”
No Brasil quando surgiu o direito à igualdade? Ele existe? Neste país as etnias (raças) mantinham relações sociais – diga-se de passagem de exploração – só que em um sistema totalmente hierarquizado, historicamente dado, com uma explicação ideológica dos motivos da exploração, da hierarquia.
Aqui no Brasil os colonizadores chegaram com toda uma estrutura para implementar. A coroa portuguesa trouxe consigo legitimações regadas pela sua religião, política e economia. As idéias de mundo trazidas pelos portugueses “justificavam” (ou ideologicamente fazia-se crer que sim) perante os outros povos o motivo de sua entrada e devastação das culturas, florestas e animais das terras que adentrava.
E a maior parte das idéias vinha da “necessidade” de “civilizar” (educar para evoluir) os povos “atrasados” (como eles viam os habitantes do “Brasil” até então) e ensinar-lhes a boa fé, aquela que iria fazer com que os povos dominados deixassem de ser criaturas (feras) para viver gente.
Ao estudarmos a colonização brasileira podemos notar que ela “nunca foi um campo para experiências sociais ou políticas inovadoras”. As leis aqui estavam muito bem determinadas por Portugal e dificilmente mudariam. Portugal seguia sua cartilha de organização social aqui na sua colônia.
Portugal era um país altamente hierarquizado, cheio de camadas sociais bem diferenciadas e complementares. Até as formas e com quem se podia falar eram reguladas em Portugal. DaMatta chega a dizer que lá “a igualdade está rigorosamente proibida”. A cada camada social existe uma camada de leis (direitos e deveres), até punições diferentes.
Não nos é familiar este modelo português? E aquela história do “você sabe com quem está falando?”.
Lá o poder era tão centralizado nas mãos do Rei que até mesmo a burguesia teve dificuldades para se desenvolver.
O Brasil enquanto colônia teve característica muito próximas a de Portugal e sendo assim, era fácil dizer que o culpado de todas as opressões e desigualdades era do Rei português. Mas e quando o Brasil fica independente, quem nós iríamos culpar pela alta exploração? Será que elas desapareceram? Não! Mas como então a elite nacional iria justificar a exploração?
Foi aí que criaram a fábula das 3 raças ou o racismo à brasileira.
Esta forma de racismo tem expressão fácil de se ver quando se dá a abolição da escravidão e as elites reacionárias querem “manter o status quo, libertando o escravo juridicamente, mas deixando-o sem condições de se libertar social e cientificamente”.
Socialmente é fácil de compreender o porque o negro não se libertava, mas, e cientificamente, por que será?
Muitos “cientistas” da época (séc. XIX) desenvolveram teorias que diferenciava as “raças” entre superiores e inferiores e que dizia que o branco europeu era naturalmente superior às outras “raças”. Muitos destes cientistas condenavam a junção das raças, pois a mistura entre elas, segundo eles, definharia as características de cada uma, principalmente a do branco evoluído superior.
Para Antonio Sérgio Alfredo Guimarães, “O racismo brasileiro, entretanto, não deve ser lido apenas como reação à igualdade legal entre cidadãos formais, que se instalava com o fim da escravidão; foi também o modo como as elites intelectuais, principalmente aquelas localizadas em Salvador e Recife, reagiam às desigualdades regionais crescentes que se avolumavam entre o Norte e o Sul do país, em decorrência da decadência do açúcar e da prosperidade trazida pelo café. Quem não se lembra do temor de Nina Rodrigues [cientista brasileiro de fins do século XIX] ao ver se desenvolver no Sul uma nação branca, enquanto a mestiçagem campeava no Norte?”
Para os “cientistas” europeus e brasileiros que se destacavam com a teoria eugenista cada “raça” ocupa um lugar certo na historia da humanidade. Muitos acreditavam que as diferenças entre as nações se dava pela posição biológica de cada nação no processo evolutivo.
Eis abaixo o esquema de um “cientista” ideólogo da época chamado Conde de Gobineau: A diversidade moral e intelectual das raças.




“O esquema põe a nu não só a questão da diversidade, como também a concepção da superioridade das chamadas “raças brancas””, traço que segundo Gobineau a história comprovava cada dia mais. Pelos escritos anteriores dá para perceber que Gobineau é um determinista biológico e a frase a seguir determina mais ainda sua idéia. Segundo ele, “estes poderes e ou os instintos ou aspirações que surgem deles nunca mudam enquanto a raça permanece pura. Eles progridem e se desenvolvem, mas nunca alteram a sua natureza”. Ou seja, cada raça está condenada a ter os seus traços naturais por toda a história.
Gobineau esteve no Brasil e ao ver a mistura que é a realidade física brasileira ele ficou horrorizado e deduziu que o Brasil estava condenado a definhar se continuasse a ter as misturas entre as raças, pois o branco estava perdendo as suas qualidades para o índio e para a “raça negra”.
Como o Brasil teve uma construção com hierarquia consolidada, os papéis de cada um muito bem expostos, “as relações entre senhores e escravos podiam se realizar com muito mais intimidade, confiança e consideração. Aqui o senhor não se sente ameaçado ou culpado por estar submetendo um outro homem ao trabalho escravo, mas muito pelo contrário, ele vê o negro como seu complemento natural, como um outro que se dedica ao trabalho duro, mas complementar as suas próprias atividades que são as do espírito.”
O sistema vigente no Brasil colônia era extremamente desigual, ninguém era igual perante a lei, nem os senhores (diferenciados pelo sangue, titulo, dinheiro, educação, etc.) e nem os escravos, criados ou subalternos, que tinham sua escala de valor entre si. Tudo foi colocado em gradações.
DaMatta assim reforça que nesse “sistema não há a necessidade de segregar o mestiço, o mulato, o índio e o negro porque as hierarquias asseguram a superioridade do branco como grupo dominante”, foi por isso que os escravos e senhores interagiam livremente, porque cada qual sabia o seu papel na sociedade. Este fato nega as falas de alguns ideólogos que diziam que a relação entre brancos e negros aqui foi “mais aberta e humanitária”.
O Brasil criou uma espécie de triângulo das raças composta por brancos, índios e negros.
Como a nossa estrutura era muito bem hierarquizada, sem chance para a idéia de igualdade (nem mesmo perante a lei, por muito tempo) e todos tinham sua posição reconhecida e legitimada na hierarquia social, não houve muito espaço para a segregação (como ocorreu por exemplo nos EUA). Aqui, conviver perto do que era “inferior” não significava um perigo, porque o “inferior” se via e se aceitava como inferior.
No Brasil os negros tinham categorias sociais distintas entre si (vejamos como exemplo: “negros escravos recentes, negros escravos antigos, negros escravos mais longe ou mais perto das casas-grandes, negros livres há muito tempo, negros livres recentemente, crianças livres filhas de escravos, etc”). Ou seja, no Brasil todas as “raças” eram cheias de gradações intermediárias e todos se reconheciam na sua.
Por isso podemos dizer que diferentemente de outros países como o EUA, no Brasil não houve uma negação da mestiçagem, mas isso não significa a negação do racismo.
“Finalmente, ao lado disso, temos um “triângulo racial” que impede uma visão histórica e social da nossa formação como sociedade. É que, quando acreditamos que o Brasil foi feito de negros, brancos e índios, estamos aceitando sem muita crítica a idéia de que esses contingentes humanos se encontraram de modo espontâneo, numa espécie de carnaval social e biológico. Mas nada disso é verdade. O fato contundente de nossa história é que somos um país feito por portugueses brancos e aristocráticos, uma sociedade hierarquizada e que foi formada dentro de um quadro rígido de valores discriminatórios. Os portugueses já tinham uma legislação discriminatória contra judeus, mouros e negros, muito antes de terem chegado ao Brasil; e quando aqui chegaram apenas ampliaram essas formas de preconceito. A mistura de raças foi um modo de esconder a profunda injustiça social contra negros, índios e mulatos, pois, situando no biológico uma questão profundamente social, econômica e política, deixava-se de lado a problemática mais básica da sociedade. De fato, é mais fácil dizer que o Brasil foi formado por um triângulo de raças, o que nos conduz ao mito da democracia racial, do que assumir que somos uma sociedade hierarquizada, que opera por meio de gradações e que, por isso mesmo, pode admitir, entre o branco superior e o negro pobre e inferior, uma série de critérios de classificação. Assim, podemos situar as pessoas pela cor da pele ou pelo dinheiro. Pelo poder que detêm ou pela feiúra de seus rostos. Pelos seus pais e nome de família, ou por sua conta bancária. As possibilidades são ilimitadas, e isso apenas nos diz de um sistema com enorme e até agora inabalável confiança no credo segundo o qual, dentro dele, “cada um sabe muito bem o seu lugar”.” (DaMatta, O que faz o brasil, Brasil?)


A maior parte do texto foi retirado e resumido das idéias do livro Relativizando: uma introdução a antropologia social de Roberto DaMatta.